GUSMÃO, Neusa Maria Mendes. Desafios da diversidade na escola. Revista
Mediações, Londrina, v.5, n.2, p.9-28, jul./dez. 2000.
Universidade Federal de Juiz
de Fora - UFJF, JF/MG, Brasil
“Quando eu crescer, vou
ser professora.” A família torcia contra, repetiam que uma menina tão esperta
iria perder a vida dando aula, recebendo pouco e sofrendo muito. A menina
cresceu e prestou vestibular para comunicação, um curso amplo e raso, não a
completava como ser humano. “Vou ser professora.” Ela insistia, mas a família
não aceitava e induzia a outros caminhos. Resolveu estudar ciências humanas
através do curso de turismo, mas do diploma de turismóloga só carregou a
preocupação como desenvolvimento local e o respeito pela sociedade.
Aos vinte e cinco anos
assumiu as rédeas de sua vida e arriscou seguir seu sonho. Passou em varias
escolas pedindo uma chance de experimentar, encontrou varias barreiras, portas
fechadas e muitos nãos. Quase impossível conseguir entrar na folha de pagamento
de uma instituição de ensino sem experiência, mas eu escrevi: quase. Três escolas disseram sim,
e disseram por acreditar na força do amor que aquela menina trazia nos olhos. De
acordo com relato de duas diretoras que a contrataram, era nítido que tinha
alma de pedagoga.
Passou no vestibular e
iniciou o curso de pedagogia da Faculdade de Educação – FACED, da Universidade
Federal de Juiz de Fora - UFJF. Também não foi fácil e continua sendo
difícil. Ainda muito longe da utopia de
uma instituição formadora de professores espetacular, a FACED contribuiu muito
nas praticas de aula desta menina. Muitas disciplinas contemplam teoricamente a
instituição ideal de ensino, enquanto muitas didáticas deixam a desejar,
ensinando como não fazer em sala de aula.
Do estagio inicial em
creches particulares, a menina (que já não é mais menina) foi convidada a
ministrar aulas de artes em comunidades de baixa renda: aulas gratuitas de
artesanato para crianças de 07 a 14 anos em cinco bairros diferentes. Uma media de 25 a 30 alunos por turma, onze
turmas, faixas etárias misturadas, aula facultativa e alunos considerados
“problemas” nas instituições de ensino. Algumas aulas eram em escolas publicas (no
cantinho que a diretoria daquele espaço quisesse) e algumas aulas eram em
espaços cedidos pelas Associações de Moradores dos bairros atendidos. Vale
destacar que, em sua maioria, os espaços para onde esta professora foi
direcionada, eram insalubres, sujos e malcuidados.
Aterrorizante? Pra mim
não, era um sonho. Esta menina sou eu e, mesmo não sendo formada em artes,
mesmo apenas iniciando o curso de pedagogia, mesmo pisando em um terreno minado
completamente novo para mim, era um sonho. Duzentos alunos para dividir
criações artísticas junto comigo. Duzentas pessoas diferentes para trocar
conhecimento. Duzentas pessoas para me ensinar e para aprender comigo. Não eram
apenas alunos, não eram as crianças, eram pessoas, novas pessoas que eu iria
conhecer, tanta historia em comum e, ao mesmo tempo, tanta historia diferente.
Na Universidade Federal,
eu não aprendi a dar aulas, não aprendi a ouvir meus alunos, não aprendi a
respeitar as diferenças entre eles, isso eu aprendi na vida. A universidade me
oferece teorias arcaicas, porem essenciais. Aprendi muito com os textos
apresentados nas disciplinas que já cursei. Aprendi com Gramsci, com
Montessori, com Steinner, com Freire, com Pacheco. Aprendi que o amor muda a
forma de aprender. Aprendi que ouvindo eu aprendo mais, mas fazendo, eu me
torno melhor.
Enfrentei muitos dilemas
nestes cinco anos iniciais como docente e encontrei diversidades, contudo,
também lidei com elas de maneiras diversas. Sou de ouvir os alunos, de buscar
neles as respostas que não encontro sozinha. Conheço meus alunos melhor do que
a mim mesma. Sempre tenho um abraço a oferecer. Claro, cometo erros e deslizes,
mas é com eles que converso e com eles encontro soluções para que nossas aulas
sejam sempre atrativas.
O desafio da escola
e dos projetos educativos que orientam nossa prática está no fato de que, para
compreender a cultura de um grupo ou de um individuo que ela faz parte, é
necessário olhar a sociedade onde o grupo ou o individuo estão e vivem. É aqui
que as diferenças ganham sentido e expressão como realidade e definem o papel
da alteridade nas relações sociais entre os homens. (p. 16)
Posso pontuar muitos casos
que vivenciei que comprovam as teorias de Gusmão quando a autora destaca que
para muitos docentes “naquela escola ‘todos são iguais’ e que aos olhos do
educador não há diferença” (p.17). Assim como posso enumerar as vezes que já
ouvi um professor menosprezar e fazer pouco caso de seus alunos. Também posso
contar que já vi estagiaria beliscando bebe ou como a diretora de uma escola
publica sacudia um aluno gritando em alto e bom som: “nem a cadeia vai dar
jeito em você!”.
A pergunta é: qual
o preparo desses professores para estabelecer um processo de aprendizagem
baseado na comunicação e na troca? Como no cotidiano superar a discriminação e
a exclusão social presentes no contexto social e intensamente reproduzido na
escola. (p. 21)
Mas ao ler e reler todas
as pontuações que Neusa Gusmão faz ao longo de seu artigo, só pensei em
agradecer por acreditar que estou na direção certa, que conheço o terreno que
estou pisando e piso com força, acreditando que cada passo, por menor que seja,
é um passo em busca de uma educação mais humana.
Entre desejos,
sonhos, princípios legais e políticas educativas, a diversidade social e
cultural desafia nossas práticas e nossos valores e nos coloca diante de nosso
enigma maior: a diferença do outro, a semelhança do outro. (p. 26)