O amor vem da África
O respeito vem da mata
Contos inspirados nas tribos raízes da cultura brasileira
Leila
Miana
O justo rei
Todos
queriam morar naquela tribo. Quando o Sol acordava, todos levantavam, mas se
alguém estivesse com preguiça, podia dormir mais um pouquinho. Depois de já ter
descansado poderia recompensar o tempo perdido das tarefas.
Cada
pessoa sabia da importância de sua função na comunidade. Eles não precisavam
ser obrigados a fazer o que não queriam, mas em troca deviam fazer bem o que
escolheram. Pois se foi escolha deles mesmos trabalhar naquela função, deveriam
fazer com carinho.
O
fim da atividade de um é o começo da função do outro. Por este motivo era
importante respeitar o seu espaço e de todos da comunidade, pois na verdade, o
espaço é um só.
O
rei era muito bom e justo, tratava todos com respeito e estava sempre disposto
a ouvir e ajudar no que fosse preciso. Ele mantinha a harmonia de todas as
relações daquela comunidade e era responsável por esta função já há muitos
anos.
A
medida que o tempo passava, as coisas melhoravam, as hortas frutificavam, os
animais cresciam e as pessoas se entendiam melhor. A cada ano, a tribo ficava
mais harmônica, mais gostosa de viver. Todos eram unidos, amigos e felizes.
E
as crianças? Sumiram? Para evitar maiores atritos, as crianças estavam
proibidas de brincar. Ficavam trancadas em suas casas e só podiam ler o mesmo
livro, todas as vezes o mesmo livro. Era um livro que os ensinava como se
comportar quando for obrigado a conversar com outra pessoa, mas isto deveria
ser evitado. O livro ensinava que conversar não era bom.
A
tribo continuou vivendo infeliz durante muitos anos, mas dizem por aí que
algumas pessoas pararam de ler aquele livro e descobriram que tinha um mundo
inteiro a ser lido do lado de fora da cabana. Ouviram dizer que um antigo rei
achou felicidade viajando e que só retornaria para casa quando a felicidade
voltasse a vila. Essas pessoas começaram a viajar e viajar muito.
Em
um belo por do sol, apareceu na vila uma senhora muito cansada pedindo abrigo e
água. Antes que conseguisse conversar com qualquer morador da tribo o tempo virou.
De repente caiu uma enorme tempestade e todos correram para se proteger. Na
mesma hora o rei abriu sua cabana e viu a senhora cansada, recebeu e serviu sua
nova hóspede.
-
Sinta-se a vontade minha senhora. Todos são bem vindos em minha humilde cabana.
-
O senhor é um homem muito caridoso e justo. Mas dedica sua vida a atender os
outros. Isto não te cansa?
Não
sente vontade de cuidar dos seus próprios problemas?
O
rei não respondeu, mas começou a pensar:
“Essa senhora tem razão. Dediquei minha vida toda por este povo. Agora vou
cuidar de mim.”
Assim
como a chuva que surgiu de uma hora para outra, o Rei mudou. Arrumou suas malas
e colocou o pé na estrada. Sem medo. Não se despediu de ninguém e foi correr o
mundo. Conheceu as montanhas mais altas e as praias mais belas. Desbravou
grandes florestas, penetrou grutas e atravessou rios. Foi ao cerrado, ao
deserto, saboreou todas as frutas e sentiu o aroma de todas as flores.
Contudo,
quanto mais o tempo passava, mais ele estava sozinho. O rei não tinha com quem
conversar. Não tinha os amigos e não estava mais feliz. A saudade apertava seu
peito e a angústia o consumia. Resolveu retornar para sua terra, voltar para
sua raiz, seus amores, sua vida.
No
dia que chegou viu tudo diferente. As ruas desertas e as cabanas mal cuidadas,
sem palha, maltrapilhas e sujas. As hortas vazias, parecendo abandonadas. Os
animais magros e fedorentos. As árvores secas e frutas podres caídas pelo chão.
Os poucos habitantes que passavam, estavam sujos, fedorentos, brigando e
falando alto.
Tudo
mudou depois que ele fora embora. Ate o céu, que antes era sempre azul,
permanecia sempre cinza. As pessoas pararam de se respeitar e, assim, pararam
de cuidar uns dos outros. Eles se estranhavam e brigavam, cuspiam e sujavam as
ruas, gritavam e chutavam coisas na rua.
O
rei estava muito confuso e as coisas estavam extremamente diferentes. Aquelas
pessoas já não eram mais as mesmas. Se prenderam em suas cabanas e não se
encontravam mais. Se prenderam em seus próprios medos e então todos,
absolutamente todos, tinham se tornado pessoas infelizes. Estava tudo errado!
Então
ele entendeu: na hora que sua tribo mais precisou, ele estava distante e não
pode ajudar. O rei não cumpriu a sua função e gerou uma confusão! Ele próprio abandonou
seu trabalho no equilíbrio daquela comunidade e prejudicou a vida de todos os
habitantes.
Antes
de alguém perceber que o rei tinha retornado, ele começou a chorar. E de tanto
chorar, começou a derreter e assim aconteceu uma mágica: ao derreter ele
começou a se deformar e se transformou em uma grande pedra.
Cada
vez que voltavam para casa, estavam mais felizes e deixavam os outros mais
felizes. Aos poucos a felicidade is se espalhando e muitos esperavam a hora de
rever o rei.
Quando
a vila se inundou de felicidade todos voltaram a trabalhar com gosto e também
voltaram a respeitar uns aos outros. O rei já nem fazia falta mais, não
precisava voltar.
A
grande pedra em que o rei havia se transformado se modificou mais uma vez e em
sua superfície apareceu escrito, como se alguém tivesse talhado a pedra:
"Justos
são os que se respeitam e se amam".